“Nunca é tarde para mudar. Tenham força e coragem”
Kiki Pais de Sousa, que é responsável pela SaunApolo 56, a sauna de Lisboa aberta a todas as orientações sexuais e identidades de género, terminou o processo de mudança de sexo. Em entrevista ao dezanove explica porque optou por recorrer a um hospital privado, apesar de Portugal costumar ser apresentado como um dos países mais avançados do mundo nesta matéria, em termos de legislação.
dezanove: Depois de ter passado pelo processo de mudança de sexo, considera que a lei portuguesa é suficiente nesta matéria? O que podia ter sido melhorado?
Kiki Pais de Sousa: Antes de existir a lei nº7 de 15/03/2011 promulgada durante o governo do engenheiro José Sócrates, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) facilitava as cirurgias de mudança de sexo. Paradoxalmente, os sujeitos a quem o Estado tinha facilitado as cirurgias tinham de pôr um processo judicial contra o Estado, para poder mudar de nome e sexo nos documentos. Neste momento, o Estado facilitou a mudança de nome e sexo nos documentos mas dificultou os tratamentos cirúrgicos da disforia de género. O que deveria ser melhorado, urgentemente, é a assistência médica e cirúrgica com profissionais experientes e reconhecidos no SNS.
Como vê o interesse do pessoal médico em ajudar as pessoas neste processo? Deparou-se com situações de preconceito por parte dos profissionais da área da saúde?
Não tive dificuldades porque tive recursos financeiros para fazer os diferentes tratamentos estéticos e cirúrgicos em hospitais privados, nomeadamente na Clínica de Todos os Santos e Hospital de Jesus. Os médicos que consultei das diferentes especialidades – psiquiatria, endocrinologia, psicologia, cirurgia plástica – foram excelentes profissionais preocupados em ajudar e muito generosos. Não notei situações de discriminação por parte dos profissionais da área da saúde com quem contactei.
Acabou por ser submetida à cirurgia no Hospital de Jesus, que é privado. Porquê?
Em Portugal não existe no SNS nenhum médico com a experiência e conhecimentos similares ao senhor doutor João Décio Ferreira – cirurgião plástico reconhecido nacionalmente e internacionalmente devido à sua técnica. Estou imensamente grata aos médicos, enfermeiros e restantes funcionários do Hospital de Jesus pelo profissionalismo e humanismo demonstrado durante o meu internamento, na companhia da minha mãe.
Como vê o surgimento de associações e grupos específicos de defesa dos direitos trans? Como vê este tipo de intervenção?
Considero muito positivo o contributo que determinadas associações, em especial, a ILGA, e nos grupos – API – dão para defender os direitos dos transgéneros e estou imensamente grata. Na minha opinião, as intervenções contribuem para dar uma maior e melhor visibilidade pública da defesa dos direitos dos transgéneros
Sentiu falta de apoio de associações deste tipo na sua juventude?
Sim, senti falta de apoio porque no Liceu Camões, em Lisboa, fui alvo de discriminação sexual e somente falava com os meus pais.
Como mulher trans foi alvo de discriminação?
Fui alvo de discriminação antes de iniciar a terapia de feminização porque era andrógino. Após iniciar a terapia de feminização e fazer este ano a cirurgia de reatribuição sexual não apercebi que tenha sido alvo de discriminação.
Que conselhos quer dar a outras mulheres?
Nunca é tarde para mudar. Tenham força e coragem para concretizar os vossos sonhos.
Fonte: www.dezanove.pt/nunca-e-tarde-