“A Joana gosta de meninas”

Muitas histórias de homossexualidade são contadas na primeira pessoa. São inúmeros os relatos de histórias felizes e menos felizes, mas poucas aquelas que são contadas por quem viu a luta interior de uma pessoa, pelo lado de fora. Marisa Monteiro é mãe de uma rapariga, hoje com 27 anos, que viu a filha lutar por gostar de meninas em vez de meninos.

Aqui esclarece as dificuldades que a filha passou e as dificuldades que como mãe encontrou para lidar com a situação.

“Quando é que percebeu que sua filha gostava de meninas?”
Desde que a Joana entrou para a escola que eu vi que havia algo diferente nela. Não no mau sentido claro. Mas a maldade dos miúdos nessas idades pode ser muito prejudicial. Eu sabia que ela tinha um carinho especial por meninas.

“Com assim?”
A Joana tem uma irmã com a diferença de um ano de idade. A irmã por vezes brincava com ela, perguntava-lhe se gostava de algum menino, ela não respondia. Uma vez perguntou-me se as meninas só gostavam de meninos, porque ela gostava muito de uma colega. Mas ainda não suspeitava de nada. Sabia que esta idade ainda era de desenvolvimento da própria sexualidade e não dei muita importância até porque são crianças, ainda não há namoros só brincadeiras inocentes. Mas um dia a Joana veio para casa a chorar a dizer que tinham gozado com ela por gostar de meninas.

“Ela disse-o explicitamente?
São crianças. Não percebem as coisas ainda muito bem. Pelo que sei as raparigas estavam a dizer de que meninos gostavam mais e ela disse o nome de uma rapariga. Foi muito gozada e sentiu-se diferente.

“Como correu a partir daí?
Acho que ela entrou em negação. Começou a fingir gostar de rapazes e assim se manteve assim até à universidade. Sempre tentei puxar por ela mas não me contava nada. Eu só queira ajudar. Quando lhe expliquei a menstruação, a sexualidade e os cuidados a ter, ela mal falou. Pensei que nessa altura me fosse contar, mas ela era muito introvertida. Mas honestamente também pensei que ela poderia ter começado a gostar de rapazes. Eu própria não entendia muito sobre o assunto.“A Joana gosta de meninas”

“Foi um período difícil?”
Foi. Havia um estigma enorme em torno da questão. Uma coisa que reparei foi a falta de recursos para mostrar à minha filha que a homossexualidade é uma cosia normal, quando ela ainda era pequenina. Embora nunca a tenha julgado, acho que ela própria se julgava. Mais tarde vim a saber que tentou por anos gostar de rapazes. Até teve uns namorados na adolescência. Tentei arranjar livros, filmes, séries juvenis que abordassem o tema. Escusado será dizer que não as encontrei ou eram já dirigidas a um público adulto (e ainda assim o material era escasso e muitas vezes já ligado à vida sexual). Para ser honesta até eu própria tinha dificuldades em compreendê-la.

“Ela foi infeliz na adolescência?”
Foi, interiormente, mas conseguiu construir uma personagem que não era ela. Só quando chegou à faculdade percebeu que teria de tomar uma decisão ou acabaria por viver uma vida falsa. Foi aí que decidiu assumir.

“Contou-lhe a si?
Ela sabia que eu já sabia. Sentiu vergonha em contar finalmente a verdade apesar dos meus inúmeros esforços a longo da vida para lhe mostrar que era era normal. Mas a sociedade não o permite.

“Acha que nos dias que correm as coisas estão melhores?”
Nem por isso. Fala-se muito mais do assunto isso é verdade mas a Joana não se sente à vontade para por exemplo contar aos colegas de trabalho que tem uma namorada. No entanto o facto de a Internet ser um recurso à disposição de todos é uma grande ajuda.

“Que conselhos dá aos pais que têm filhos e filhas homossexuais?”
Tentem mostrar-lhes ao máximo o quão normal é o que eles sentem . Quando se referem a casais não fale só em homem e mulher. Mencionem no dia a dia um casal gay, lésbico etc. Não partam de um pressuposto como perguntar ao filho se tem uma namorada. Pode perguntar-lhe se tem um companheiro/a. Pesquisem, informem-se e aprendam. Mas aceitam-no como ele for.

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